<p>Amo devagar o poeta que tem um cão que tinha um marinheiro.<br>Pergunto-me se o poeta terá cinco dedos de cada lado, como eu.<br>Pergunto-me se o cão algum dia se fez ao mar, depois da morte do marinheiro.<br>Pergunto-me se envelhecer é sair de casa com os olhos contentes de pão e açúcar<br>e chegar atrasado, anos depois, ao fim. O luto, Herberto.<br>Não o luto do cão – o meu.<br>O luto em Lisboa ou no Porto, o luto em Israel ou na Palestina,<br>o luto é igual, deve ser igual, na tua rua e na minha.<br>Ouve, Herberto: era Dia Mundial da Poesia. Eu tinha ido ao cabeleireiro.<br>Vesti-me de preto e calcei aqueles sapatos de tacão alto. Eu ia de cabelo esticado.<br>Eu ia maquilhada e feliz. Ia de preto mas ia-me esquecendo da morte.<br>Aos 33 anos, eu ia imortal.<br>Quando o telefone tocou, como nos filmes, disseram-me que era urgente.<br>Estava a vinte minutos de subir ao palco com o meu poema, mas era urgente.<br>Estava a vinte minutos do fim da minha juventude, porque era urgente.<br>O luto, Herberto.<br>Tão urgente que só pode ser mentira, ou ficção, ou poesia.<br>Todos tão vivos naquele dia. E ninguém há-de morrer se levamos sapatos de tacão.<br>Não é possível tanta inabilidade para a corrida.<br>Não é possível tanta falta de Mãe.<br><br>Se eu quisesse, Herberto, enlouquecia.<br><br>Por isso hoje venho apenas perguntar-te se o teu cão se fez ao mar.<br>Diz-me que ele se fez ao mar.<br><br><br><br>O poema tem passagens de poemas de Herberto Helder, dos livros Os Passos em Volta “Cães, Marinheiros”; “Estilo” e Ofício Cantante – Poesia Completa “Aos amigos”, de «Lugar»; “Fonte”, de «A Colher na Boca».</p>
O tradutor, neste caso, mellora a obra.
ResponderEliminarParabéns. Fico muito obrigado.
Agora que vivimos nos tempos de “copiar & pegar”, e sendo, como eu son, dos tempos do papel de calco, e a quen sempre tremou o pulso e faltou cabeza para pintar algo a man alzada, neste caso, non fixen outra cousa que calcar e non pintar nada, para non estragar o que, no orixinal, pintado estaba, nem tampouco o que non se pode pintar que é o importante.
ResponderEliminarAgora bem, se mo permites, ainda que bem sei que o meu criterio non conta nem pouco nem moito, nem para bem nem para mal, eu querería dicerte que, este teu, me parece um excelente poema. E, por demais, desexarte que continúes co mesmo pulso firme.
Os parabens para tí, e para os de Brens, Taxes e Bentín.
Uma aperta.
P.D. Nâo sei o que pensarão os nossos amigos portugueses da tradução.