nâo é por acaso Luis

nâo é por acaso Luis: (www.astormentas.com)
Poema ao acaso



Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que
pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um
galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar,
cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

1 s .


Passamos pelas coisas sem as ver

Eugénio de Andrade

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

*

foto: dara.es

5 comentários:

  1. Ahora vivo más cerca del sol...
    (Eugenio de Andrade)

    Ahora vivo más cerca del sol, los amigos
    no saben el camino: es bueno
    ser así de nadie
    en las altas ramas, hermano
    del canto exento de algún ave
    de paso, reflejo de un reflejo,
    contemporáneo
    de cualquier mirada desprevenida,
    solamente este ir y venir con las mareas,
    ardor hecho de olvido,
    polvo dulce a la flor de la espuma,
    eso apenas.

    Versión de Aníbal Núñez

    (Conocí a Aníbal, y este poema de Andrade me respiga)

    Eirene

    ResponderEliminar
  2. “Sem duvida a melhor fonte de poesia lusofona online. É um dos meus vicios. Muito obrigada
    Gabi
    terça-feira, 12 de Janeiro de 2010 05:23:36 “


    Mi desconocida Gabi, se está refiriendo al website: http://www.astormentas.com.
    en su propio libro de visitas.

    Es la misma web que alimenta de poesía la cabecera de mis blogs, desde su sección “Poema ao acaso”.

    Su corazón, su sostén, su voluntad de ser y seguir viva, corresponde a Luís Rodrígues, a quien tengo el honor de conocer personalmente, y cuenta en mí con un amigo que gustaría saber honrar lo que entiendo por amistad si de ella necesitase en algún momento.

    El poema que ha ocupado esta entrada, Eirene, es el último que apareció en la cabecera de mi blog como "poema ao acaso", justo inmediatamente antes de editar ésta última entrada. El porqué: la intención del poema y su último verso, mientras reflexionaba sobre mí mismo.

    Correspondiendo ahora a tu atención de colgar el poema “Ahora vivo más cerca del sol...”, del mismo autor y traducido al castellano, pego a continuación otro, también suyo, ignoro de cuando es, pero que parece escrito para este momento que vivimos:

    É urgente o amor.

    É urgente o amor.
    É urgente um barco no mar.

    É urgente destruir certas palavras,
    ódio, solidão e crueldade,
    alguns lamentos,
    muitas espadas.

    É urgente inventar alegria,
    multiplicar os beijos, as searas,
    é urgente descobrir rosas e rios
    e manhãs claras.

    Cai o silêncio nos ombros e a luz
    impura, até doer.
    É urgente o amor, é urgente
    permanecer.

    Eugénio de Andrade

    Y, dedicados a ti, con el mismo sentido e intención, con que han dirigido estas palabras para Luís, quien hace mucho tiempo no pasa por este blog -con certeza no le sobran razones a él como a cualquier otra persona para no hacerlo-, hago míos dos testimonios también leídos en el libro de visitas de su web.

    "Luís, desde que descobri "As Tormentas", não passa um único dia que as não visite e várias vezes! o teu trabalho é absolutamente NOTÁVEL! e generoso. e muito bem feito. estou-te imensamente grata por partilhares esta paixão. tenho descoberto inúmeros poetas e poemas graças a ti. recebe de coração aberto a minha enorme gratidão. Vita
    Vita Lains
    quinta-feira, 26 de Agosto de 2010 14:37:44 - Lisboa

    Oi... Queria registrar que li algumas poesias aqui, e fiquei muito emocionada. Parabéns pelo seu trabalho Luis e não desista nunca. Enquanto houverem pessoas sensíveis e inteligentes no mundo, poderemos ter a certeza de que este tão falado "FIM" não está próximo. Beijos à todos, e um especial e com todo carinho pra você Luis.
    Cláudia
    quarta-feira, 21 de Julho de 2010 18:52:25 - São Paulo/SP "

    Pues eso, Eirene, muchas gracias por tu trabajo, “absolutamente notable y generoso”, como también pienso, al igual que dice Cláudia, que “mientras haya personas sensibles e inteligentes” como tú, no todo está perdido.

    Eirene, un abrazo.

    bemsalgado

    ResponderEliminar
  3. Bemsalgado, todos os teus blogs (mesmo os dormentes) estão desde sempre no meu google reader, e leio quase religiosamente tudo o que surge.

    Apenas acontece estar num momento em que deixei de acreditar em palavras. Ou pelo menos nas que digo. Por isso me tenho calado.

    Mas perante o que aqui li, nunca poderia deixar de te vir aqui dar-te um forte abraço e dar vivas à poesia.

    Que pelo menos ela nos salve da opressão.

    ResponderEliminar
  4. Para Bem y para Luis, esta tarde:

    Se eu pudesse trincar a terra toda
    E sentir-lhe um paladar,
    E se a terra fosse uma cousa para trincar
    Seria mais feliz um momento...
    Mas eu nem sempre quero ser feliz.
    É preciso ser de vez em quando infeliz
    Para se poder ser natural...
    Nem tudo é dias de sol,
    E a chuva, quando falta muito, pede-se,
    Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
    Naturalmente, como quem não estranha
    Que haja montanhas e planícies
    E que haja rochedos e erva...

    O que é preciso é ser-se natural e calmo
    Na felicidade ou na infelicidade,
    Sentir como quem olha,
    pensar como quem anda,
    E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
    E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
    Assim é e assim seja...

    Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

    Con vosotros
    Eirene

    ResponderEliminar
  5. Vostede, cando escrebe ou transcrebe, sabe perfectamente como alcanzar con pedra a meniña do ollo deste boticario. Mais setembro non é tempo doado para líricas algareiras. Ás veces, o adeus do verán deixa a alma sen folgos.

    Como diaciamos onte: Súde e saúdos. E apertas...

    ResponderEliminar